1º Culto em celebração ao dia do Orgulho LGBTQIA+ | Prédica e Fotos

Sábado (18 de julho de 2022) foi um dia histórico para o movimento Inclusão Luterana. Foi o primeiro culto realizado pelo grupo o que representou um grande desafio em questões organizacionais. Achar um lugar que nos acolhesse foi o principal desafio.

Felizmente, Deus preparou um local com a nossa confissão. A inclusão conseguiu fazer o culto graças a Igreja Lutherana Escandinava que nos acolheu de maneira graciosa e ainda nos forneceu a oportunidade de realizar cultos futuros, algo que tem sido um desejo constante do movimento para a tender as pessoas LGBTs que carecem de uma mensagem que os acolha e os compreenda.

Infelizmente no dia não conseguimos fazer a transmissão ao vivo, o que deixou muitos interessados de fora. No entanto, o dia foi tão importante para nós e para os presentes que nos sentimos na responsabilidade de compartilhá-lo com vocês.

Não conseguimos gravá-lo, porém para não deixar passar batido, compartilharemos com vocês o texto bíblico apresentado e também fotos que foram capitados com muito carinho e dedicação.

Queremos muito expressar todo o nosso carinho e amor à todas as pessoas que ajudaram a fazer esse dia possível. A todos vocês, nossa eterna gratidão. Temos muito orgulho de tê-los conosco.

Texto corrido da prédica realizada no dia 18 de julho de 2022, um dia antes da parada LGBTQIA+ em São Paulo.

Orgulho de quê?

“Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão…Irmãos, vocês foram chamados para a liberdade. Mas não usem a liberdade para dar ocasião à vontade da carne; ao contrário, sirvam uns aos outros mediante o amor. Toda a Lei se resume num só mandamento: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’”

Gálatas 5.1;13-14.

Durante essas últimas duas semanas, me deram um desafio, que, eu comecei achando que seria fácil, mas descobri que não era: Falar sobre esse movimento tão importante para nós, LGBTs.

Alguns homossexuais se perguntam qual a importância de participar da parada LGBTQIA+. Outros se perguntam porque deveriam se orgulhar por serem LGBTs. E ainda outros se perguntam: Por que esse fato deveria ter tanta importância na minha vida? E mais, o que eu devo fazer com isso? O quanto isso deveria importar para uma pessoa cristã?

Antes de tudo é preciso esclarecer um ponto importante. Foi nos dito uma vez que a homossexualidade é abominável perante Deus e que por isso, é um pecado de morte, seja lá o que isso queira dizer. Não pretendo ir a fundo no assunto, porque esse não é objetivo da mensagem de hoje, mas farei uma pergunta para vocês e seguiremos a partir daí.

Quando Jesus é questionado a cerca do mandamento mais importante da lei em Mateus 22.36, ele faz melhor e sintetiza todos os mandamentos em dois principais:

 “Ame o Senhor, seu Deus, com todo o coração, com toda a alma e com toda a mente.”  Este é o maior mandamento e o mais importante. E o segundo mais importante é parecido com o primeiro: “Ame os outros como você ama a você mesmo.” Toda a Lei de Moisés e os ensinamentos dos Profetas se baseiam nesses dois mandamentos.

Esse texto mais a frente é sintetizado pelo apóstolo Paulo mantendo apenas o segundo mandamento como o principal. Isso porque, para Paulo, só é possível amar a si mesmo e as pessoas se amar a Deus, e só através de Deus é possível amar a si e as pessoas

Essa é a máxima que Paulo se apropriou para falar da Lei e das Obras. E ele ainda desenvolve separando essas obras, no que ficaria conhecido, de forma distorcida hoje por algumas igrejas, como, obras do espírito e obras da carne. A bíblia na versão NTLH tem uma tradução mais específica para a palavra “carne” que na minha opinião é muito mais apropriada: Natureza Humana.

“As coisas que a natureza humana produz são bem-conhecidas. Elas são: a imoralidade sexual, a impureza, as ações indecentes, a adoração de ídolos, as feitiçarias, as inimizades, as brigas, as ciumeiras, os acessos de raiva, a ambição egoísta, a desunião, as divisões, as invejas, as bebedeiras, as farras e outras coisas parecidas com essas. Repito o que já disse: os que fazem essas coisas não receberão o Reino de Deus.

Mas o Espírito de Deus produz o amor, a alegria, a paz, a paciência, a delicadeza, a bondade, a fidelidade, a humildade e o domínio próprio. E contra essas coisas não existe lei.”

(Gálatas 5.19-23)

Creio que até os mais conservadores concordariam que o que Paulo está fazendo aqui, não é nada mais do que separar aquilo que entendemos, vulgarmente, como coisas ruins, ou seja, danosas tanto ao indivíduo quanto ao próximo, e as coisas boas, ou seja, benéficas tanto para o individuo quanto para o próximo.

O equívoco contemporâneo ao analisar os textos de Paulo sem o olhar histórico não leva em conta a imersão de Paulo no contexto da idolatria. Não vou abordar essa questão, mas quem tiver alguma dúvida a respeito é só falar com qualquer um de nós do Inclusão Luterana no final do culto.

A questão que não quer calar é, sob essa visão de que o pecado é aquilo que fere tanto a nós, criação de Deus, quanto aos outros. Eu pergunto, em algum momento, não fosse pelo preconceito do mundo, a homossexualidade já foi danosa para o indivíduo ou para a sociedade? Bom, qualquer um que responda com sinceridade a essa questão encontrará sua resposta.

Entendendo a partir disso, que somos pessoas amados, amadas e amades por Deus não porque somos merecedores, mas porque Cristo nos escolheu para doar o seu amor por nós, deveria nos causar um misto de orgulho e de responsabilidade.

Orgulho, porque dentre tudo que Deus poderia fazer e escolher, dentre todas as outras espécies, dentre tudo que é o possível no universo divino, ele escolheu a mim e a você. Pessoas, que apesar de tentarmos, nunca deixamos de ferir a nós mesmos e aos outros. Porque essa é a nossa natureza. É indiferente o que fazemos, isso faz parte de quem somos. E mesmo assim. Deus. Nos. Escolheu.

Porque não faço o bem que eu quero, mas o mal que não quero, esse faço, diz o apóstolo Paulo em Romanos 7.19.

Como não se orgulhar disso? E como não sentir a imensa responsabilidade que isto representa? Porque a partir do momento que nós entendemos que somos livres, é nosso dever, libertar os outros. E é para isso que Deus nos convida a fazer hoje e amanhã.

Nós entendemos mais do que ninguém o quanto a igreja tem influência no nosso sofrimento e quanta raiva justa nós mantemos por isso, porém, nós também sabemos que Jesus nunca teve nada haver com isso.

O problema, meus irmãos, é que, infelizmente, durante a história, a humanidade mantêm o histórico de só responder pela violência e eu gostaria muito que fosse diferente. Porque todos aqueles que lutam de forma pacífica acabam sendo alvo daqueles que não lutam.

Jesus, filho do Deus vivo, morreu crucificado ao lado de ladrões por pregar o amor e o perdão dos pecados. O apóstolo Pedro e o apóstolo Paulo também morreram pelos mesmos motivos.

Martin Luther King foi baleado no rosto apesar de pregar o amor e a não violência e ter tido como foco de sua vida a igualdade e a luta pelo direito dos negros.

Marsha P. Johnson, uma mulher trans, ativista na luta contra a transfobia, uma mulher que idealizou a frente de libertação gay, sendo essa considerada a primeira parada LGBTQI+, que ocorreu depois da revolta de Stonewall. Essa mulher que foi cofundadora do S.T.A.R., uma organização que ajudava drag queens, transexuais e homossexuais. Essa mulher ajudou na conscientização contra a AIDS, morreu em 1992, dito como suicídio pelos policiais que não se importavam com o caso, mas que foi reaberto em 2012 com fortes indícios de assassinato.

É irmãos, às vezes, a vontade que temos é de agir como disse o teólogo luterano Dietrich Bonhoeffer enquanto lutava contra a propaganda nazista. Ele dizia que às vezes “É melhor fazer um mal do que ser mau.”.

Mas irmãos, o que mais me impressiona na graça e no amor de Deus, é que apesar da violência, apesar do sofrimento, apesar da dor, Deus SEMPRE, sempre manda alguém para lutar por nós. Deus nunca fica indiferente perante o sofrimento e, às vezes, ele nos deixa a par de seus planos. Deus sempre começa o seu diálogo pela paz, até que a paz já não é mais suficiente.

Assim foi o caso do reformador John Huss, que morreu queimado em uma fogueira em 6 de julho de 1415. Seu crime foi questionar a riqueza e a imobilidade da igreja perante os problemas sociais da época, porém, antes de morrer, Deus falou por intermédio dele dizendo: Hoje vocês assam um ganso, porém daqui a cem anos cantará um cisne que vocês não conseguiram calar.

E em 31 de outubro de 1517, Martin Lutero prega as 95 teses na porta da igreja de Wittenberg. Começando assim a reforma protestante. E em 1520 a tradição luterana.

Derrubaram John Huss, Deus nos deu Martin Lutero.

Derrubaram Martin Luther King. Deus nos deu Rosa Parks.

Derrubaram Marsha P. Johnson, Deus nos deu Sylvia Rivera.

Derrubaram as Drag Queens, Deus nos deu (porque não?) Gloria Groover e Pablo Vittar. Que a seu lutam para que o mundo tenha mais amor e paz.

O que Deus quer nos mostrar é que ele está a todo momento buscando e capacitando pessoas para lutar pelo seu reino. Lutar pela graça, pelo amor e pela paz. Deus está a todo momento capacitando pessoas para lutar pelo que é certo e essas pessoas, são justamente, aquelas que nós menos esperamos.

Eu gostaria de viver para ver o cisne que Deus está levantando para redimir o nosso povo.

E só posso defini-los assim, como povo, porque, embora nós, LGBTs, não nos conheçamos todes em suas infinitas individualidades. Eu aprendi a enxergar todes vocês como irmãos e como família. Isso porque só nós conseguimos entender o que significa não ter uma. São poucos os de nós que hoje, mantêm boas relações com seus familiares. E por isso se não tivermos uns aos outros para nos apoiar, então, não haverá mais ninguém debaixo do céu.

Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Então, como pessoas livres, deus nos convida a proclamar essa liberdade. Liberdade essa que nós podemos gritar a plenos pulmões amanhã porque assim como Cristo, outros também morreram por nós.

Se hoje podemos olhar para nós mesmo e nos sentirmos bem ao ponto de dizer que nos orgulhamos de sermos quem somos. É graças a muito sofrimento, muita dor e muita luta que infelizmente ocorreram em Stonewall na rua Christopher.

Que nós, nunca nos esqueçamos de nossas histórias e das pessoas que nos antecederam. Porque como diz a historiadora Emília Viotti: Um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado.

Bob Kohler, Frank Kameny, Ed. Murphy, Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera, que possamos nos lembrar desses nomes e de todas as outras almas que mudaram as nossas vidas dando as suas.

É preciso lembrar também que a luta não acabou. Que embora os LGBTs tenham muito mais direitos que à alguns anos, a realidade das nossas irmãs e irmãos transexuais ainda não mudou muito. Nós somos atualmente o país que mais mata pessoas trans. A expectativa de vida de uma pessoa trans no brasil está até os 35 anos. Além disso, 40% dos jovens sem teto dos Estados Unidos são LGBTs e a homossexualidade permanece sendo crime em 70 países.

Que nós possamos sempre estar com o coração aberto para receber de Deus o Espírito que nos capacita para lutar para que toda forma de amor venha a valer a pena.

Uma última coisa antes de encerrar. No final do filme Stonewall, o mafioso Ed. Murphy pergunta a Marsha P. Jonson. Uma revolta de um monte de bichas nervosinhas muda alguma coisa?… Agora eu pergunto a vocês. A união de um monte de bichas cristãs muda alguma coisa?

Fotos